No início de 2014, os dois grandes eventos que mobilizaram o Brasil – Copa do Mundo e Eleições presidenciais – anunciavam um ano obscuro para o mercado cultural. Muito se especulou sobre o quanto isso afetaria o desenvolvimento de novos projetos. No que diz respeito a shows musicais internacionais, no entanto, o balanço final não foi tão ruim.
De acordo com levantamento do site Rockin’Chair, especializado no tema, só no Estado de São Paulo foram quase 700 apresentações de artistas estrangeiros ao longo do ano (uma média de quase duas por dia) e 25 festivais. Na programação, fenômenos da música pop e revelações, lendas do rock e seus atuais comandantes, e representantes icônicos do jazz.
Com relação ao público dos eventos, 14% foram de grande porte (de 2 a 10 mil pessoas) e 4% foram megaeventos (mais de 10 mil pessoas). R$ 123,73 foi o preço médio dos ingressos (confira aqui o quadro completo).
Nas últimas semanas, um dos principais assuntos no país é a alta do dólar e o quanto isso afetará os setores da economia em geral. E mais uma vez a cultura encontra-se numa posição de muita dúvida sobre o que pode ou não acontecer.
“Estamos com muitas propostas para 2015, mas já desistimos da maioria delas, como a que recebemos de Ozzy Osbourne, vocalista do Black Sabbath. O dólar alto encarece os custos do show e fica inviável para nossa casa, que tem uma capacidade de 10 mil pagantes”, conta Antonio Gonçalves, proprietário do Chevrolet Hall de Recife (PE).
Segundo ele, em 2010 o Brasil recebeu 149 atrações internacionais e, em 2012, foram 359 atrações internacionais. “O crescimento se motivou pela próprio interesse dos artistas em se apresentarem no Brasil, e a capital pernambucana se tornou parada obrigatória, entrando para rota dos shows internacionais, como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Em muitos casos, é a única cidade do Nordeste a receber o artista.”
Uma alternativa para não deixar o ritmo diminuir, diz Gonçalves, é dividir os custos com outras cidades que também irão receber o artista, como foi o caso da boyband Backstreet Boys, que chega em junho, a cantora de soul Joss Stone, que se apresenta no país nesta semana, e a banda de metal britânica Judas Priest, que faz show no Chevrolet Hall em abril. Ele conta que precisou aumentar o investimento em mídia para não perder público. “Falta um investimento maior e apoio aos produtores e empresários. A gente traz diversos artistas internacionais, é bom para cidade, bom para o país, mas o apoio e envolvimento das autoridades governamentais ainda são fracos”, reclama.
Vitor Lucas é sócio-proprietário do Grupo 203, responsável pelas casas Anexo B e Beco 203, em Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Ele conta que desde 2006 começaram a surgir várias ofertas de shows internacionais no Brasil. “Foi quando conseguimos trazer bandas que faziam sucesso nos CDJs da casa para tocar ao vivo no nosso palco. Mas os preços inflacionaram muito e esse mercado sofreu uma queda muito grande. Depois disso, tivemos o incêndio fatal da Boate Kiss, que foi um divisor de águas no que rege as normas de segurança e profissionalismo das casas”, lembra.
Para ele, “o mercado paulistano é muito mais profissional e o mercado gaúcho é muito exigente”. Mas acredita que até hoje as leis não estão muito claras, nem devem acontecer muitas mudanças além de fiscalizações do nível “caça as bruxas”.
“Infelizmente ainda sofremos com a burocracia e com leis de interpretações variadas. Para esse mercado crescer no Brasil, precisamos de transparência nas leis e muito menos burocracia, que é o que mais atrasa todo o trabalho. Esse mercado é muito dinâmico para estar à mercê disso”, defende. Por outro lado, ele aponta a necessidade da iniciativa privada entender que há no mercado de entretenimento pessoas tão profissionais quanto em outros setores da economia. “Existe ainda muito preconceito com quem trabalha com entretenimento, no sentido de ‘não ter formação’ para levar o trabalho a sério. Na prática, isso é muito diferente da realidade. Cada vez mais, as pessoas que trabalham nessa área estão se aperfeiçoando. A cada dia vejo mais e mais cursos surgindo e isso é muito bom”, afirma.
Para superar as dificuldades cada vez maiores, Lucas acredita que é preciso ter criatividade. “Já passamos por várias crises. É uma questão de procurar alternativas para se adaptar à realidade do mercado atual.”