O cinema foi o meio predominante de consumo audiovisual até meados da década de 1950. Desde então, as diferentes técnicas de difusão de imagens têm resultado no surgimento de outras telas, além da imponente tela branca das salas escuras. Segundo Gilles Lipovetszy e Jean Serroy, em seu livro A Tela Global (2009), “em menos de meio século passamos da tela-espetáculo à tela-comunicação, de uma tela ao tudo-tela. Por muito tempo a tela de cinema foi a única e a incomparável; agora ela se funde numa galáxia cujas dimensões são infinitas: chegamos à era da tela global”.
Familiarizados com a linguagem audiovisual, vivemos hoje cercados por telas e conteúdos audiovisuais em casa, nas lojas, nos aeroportos, nos restaurantes, no metrô, nos aviões, e nos elevadores. A primazia do cinema passou a dividir espaço com a proliferação de outras formas de consumo audiovisual, onde a televisão teve importância significativa. Há 64 anos, com o slogan “está no ar a televisão do Brasil”, foi inaugurada a TV Tupi, primeira emissora de TV brasileira. A inauguração foi assistida por proprietários dos 200 aparelhos contrabandeados e distribuídos por Assis Chateaubriand. Hoje, essa janela de conteúdo está presente em mais de 58 milhões de domicílios, quase 100% do território nacional.
A evolução e o barateamento da tecnologia sempre trouxeram mudanças no curso da história, promovendo um movimento de democratização da produção e do consumo audiovisual. Os avanços tecnológicos fizeram surgir um novo tipo de comunicação, especialmente centrada na interatividade em rede, que trouxe consigo a necessidade de se buscar um uso mais abrangente dos espaços audiovisuais. O progresso dos novos meios de comunicação eletrônica anunciou uma profunda reestruturação rumo à convergência audiovisual. Enquanto o rádio levou 30 anos para chegar aos lares, a TV levou 13 anos e a Internet apenas 4 anos.
Existem atualmente mais de 38 milhões de smartphones no Brasil, que podem ser considerados potenciais consumidores de conteúdo. A convergência faz parte de um novo modelo de operação das indústrias culturais, onde tudo está interligado. Nesse cenário, uma função particularmente recebe destaque, possuindo papel fundamental na nova lógica: o produtor audiovisual.
Os caminhos para formação e preparação deste profissional devem considerar, primordialmente, o constante surgimento de novas mídias e possibilidades. A atividade do produtor está muito associada à viabilização e difusão de conteúdos audiovisuais nessas mídias. Isso demanda a compreensão de assuntos tais como modelos de financiamento, propriedade intelectual, concepção de projetos, plano de negócios e estratégia de distribuição. Se a produção for financiada com recursos públicos, o que é comum no Brasil, o produtor deve ter um cuidado ainda maior, por se tratar do emprego de bens comuns à sociedade, na realização de determinado produto cultural.
Existem atualmente milhares de empresas registradas na Ancine que captam recursos e realizam atividades de produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão. Essa captação se faz por meio de regras estabelecidas por Leis, Instruções Normativas, Medidas Provisórias, Decretos, Fundos, Editais, Programas, e outros instrumentos normativos. Diante do aquecimento do mercado de produção em escala mundial, conhecer e acessar o universo de financiamento público e privado se faz imprescindível.
No Brasil, o audiovisual passou por diferentes momentos principalmente no que diz respeito aos mecanismos de financiamento. De um período em que a produção chegou a praticamente zero, quando a Empresa Brasileira de Filmes – Embrafilme foi extinta na década de 1990, ao lançamento de uma média de 100-120 filmes por ano nas salas de cinema a partir dos anos 2000, o cinema brasileiro vem aos poucos se recuperando.
Essa retomada da produção foi possibilitada principalmente pela política de incentivos fiscais estabelecida pelo Governo Federal na forma das Leis Rouanet (n. 8.313/1991) e Audiovisual (n. 8.685/1993). Essas leis permitiram que as empresas patrocinadoras investissem em projetos audiovisuais, podendo abater o valor investido do imposto de renda. Outros mecanismos, tais como Fundo Setorial do Audiovisual, Art. 39, Funcine, além de leis estaduais e municipais, também são responsáveis por direcionar uma parte significativa de recursos às produções independentes. Em 2013, por exemplo, um total de 129 filmes lançados no circuito exibidor brasileiro conseguiu captar mais de 154 milhões de reais, um dado substancial que demonstra a excepcional fase de crescimento da produção independente.
As leis cumpriram com seu objetivo de viabilizar a realização de projetos, considerando a situação crítica e estagnada na qual a produção se encontrava no final do século XX. No entanto, no longo prazo, não houve uma preocupação mais institucionalizada com a estruturação de diferentes modelos contemplando recursos públicos, privados, receita, licenciamento, dentre outros caminhos acessíveis a quem atua num mercado de expressiva competitividade.
Diante da facilidade de se tornar um produtor, o resultado é uma proliferação de várias pequenas produtoras independentes com dificuldade de pensar o negócio do ponto de vista rentável, por meio da formação de carteiras de produtos audiovisuais com variados graus de risco. Esse processo acaba dificultando o estabelecimento de conexões profissionais fortes com o mercado. Considerando os níveis de complexidade envolvidos num processo audiovisual, a formação de produtores aptos a estruturar modelos adequados de financiamento público e privado, possibilita a qualificação desses profissionais no mercado brasileiro, cujas perspectivas de crescimento são bastante otimistas.
Esse crescimento se reflete em iniciativas como o RioContentMarket, maior encontro de negócios audiovisuais da América Latina, que encerrou recentemente a sua quinta edição com números impressionantes. Foram 3.500 participantes, 70 canais nacionais e internacionais, 860 rodadas de negociação de projetos, e mais de 36 países presentes, segundo resultados divulgados pela organização do evento. Esses números podem ser resumidos em uma simples palavra que transmite o leque de opções disponíveis atualmente ao produtor audiovisual: OPORTUNIDADE.
O mercado tornou-se maior e mais diversificado, exigindo que os produtores busquem diferenciais para que possam melhor se posicionar. Entre 2008 e 2014, foram inscritos quase 2.000 projetos na chamadas do Fundo Setorial do Audiovisual, conforme dados disponíveis no site da Ancine. Um reflexo do quão robusto e competitivo esse mercado está se tornando.
Essa expansão possui como premissa não só viabilizar uma produção diferenciada e criativa de conteúdo, como também proporcionar uma maior e mais democrática oferta destes conteúdos aos diferentes segmentos. É sob essas condições, e com base nas características das dinâmicas produtivas contemporâneas, que deve se preparar o produtor audiovisual do século XXI.