Num galpão em Barra Funda, zona oeste de São Paulo, a prensa da extinta gravadora Continental recebe os retoques finais antes de voltar à ativa, 20 anos após abastecer uma geração com discos de Beto Barbosa e da dupla Leandro e Leonardo.
Se tudo der certo, um botão vai acionar a prensa de duas toneladas nos próximos meses e marcar o início da segunda (e maior) fábrica de discos de vinil da América Latina, com capacidade para até 140 mil bolachas por mês (entre LPs e compactos). Chamada Vinil Brasil, a fábrica promete quadruplicar a capacidade de produção dos discos no país –atualmente em cerca de 40 mil unidades mensais na Polysom, única fabricante em operação, em Belford Roxo, região metropolitana do Rio.
Em tempos bicudos de crise econômica e decadência na indústria fonográfica, o vinil é um nicho que nada de braçada. As vendas subiram 30% em 2015 no mundo, segundo a consultoria Nielsen. O ritmo seria parecido no mercado brasileiro. Na Polysom, o tempo de espera por um disco é atualmente de dois meses, segundo a empresa. Foram 149 títulos fabricados no ano passado por lá. E a expectativa é que as vendas cresçam mais 30% neste ano, apesar da crise econômica.
Para ficar em dois exemplos da demanda do setor, Tom Zé quer prensar três discos –”Nave Maria” (1984), “Tropicália Lixo Lógico” (2012) e “Vira Lata na Via Láctea” (2013). Já a Banda Black Rio deve lançar a regravação de “Maria Fumaça” (1977). Toda esse interesse em tempos digitais ficou mais evidente no fim da última década. O vinil passou a ser cultuado por jovens por sua experiência visual e auditiva, da arte das capas ao prazer de escolher o disco na estante e colocá-lo na vitrola.
ORIGEM
A ideia da fábrica não surgiu, porém, de uma experiência sensorial. O produtor e DJ Michel Nath encomendou seu próprio álbum “Solar Soul” numa fábrica na República Tcheca. A entrega do disco atrasou oito meses.
“O vinil ainda tem espaço para crescer aqui no Brasil. A fábrica estará a serviço da cena cultural. Quero primar pela qualidade, por um preço mais justo”, disse Nath, dono e responsável pela montagem da fábrica ao longo dos últimos 15 meses. A prensa da Continental foi resgatada de um ferro-velho, após o prédio da gravadora ter sido demolido. Parte dos equipamentos foi construída, como o molde dos discos. O valor investido não foi revelado pelo novo empresário.
Para a manutenção e a operação, foram localizados e contratados antigos técnicos do ramo. Um deles foi da RCA e passou os últimos 20 anos em indústrias “comuns”. “Ele disse que foi o melhor telefonema que recebeu nos últimos 20 anos”, disse. O trabalho será essencialmente artesanal, como é no mundo do vinil. Por isso, a ideia é no início atender músicos próximos. Pouco depois, abrir para artistas. No futuro, exportar.
Por: Folha de São Paulo