No palco de uma casa de shows na Lapa, no Rio de Janeiro, o ator Renato Góes puxa os primeiros versos de “Phunky Buddha” repetidas vezes –no ensaio, na passagem de som, na gravação só com a banda e na gravação com cerca de cem figurantes. De camisa xadrez e gorro, este último emprestado de Marcelo D2, ele encara suas últimas cenas como o rapper no derradeiro dia de filmagens de “Anjos da Lapa”. A animação que toma conta do espaço se deve em parte ao simbolismo da sequência, que representa os primeiros degraus da trajetória bem-sucedida do Planet Hemp, mas também por conta da realização de um projeto gestado há longos oito anos.
Depois de alguns contratempos na captação e duas tentativas frustradas de realização, o longa dirigido por Johnny Araújo e Gustavo Bonafé enfim encerrou uma etapa importante na última terça-feira (12), quando o UOL visitou o set. E o resultado deve, finalmente, chegar aos cinemas no primeiro semestre de 2017.
“Última diária é sempre intensa e confusa. A gente está cansado e, ao mesmo tempo, bate uma saudade, uma tristeza”, diz Johnny. “Esse projeto especialmente teve um envolvimento muito grande das pessoas e demorou oito anos. Passamos por várias etapas. É um misto de sentimentos, tem horas que dá vontade de chorar, de gritar, uma loucura. É quase como se seu filho falasse: ‘Tô indo nessa'”.
O cineasta conta que chegou a pensar, por mais de uma vez, que a história de amizade entre D2 e Skunk, apelido de Ícaro Silva, fundadores da banda, não fosse sair do papel. “Teve um momento em que a gente parou e eu pensei: ‘Poxa, como eu gostaria de fazer esse filme, mas talvez não chegue lá’. Mas nos readaptamos, entrou outro roteirista [Felipe Braga] no projeto. Todos nós envelhecemos, a cabeça muda. Já não era a história que eu queria contar. Senti a necessidade de dividir a direção, seria bom para trocar ideias. Eu estava ligado ao filme de um jeito muito emocional. Fiquei com medo de isso me atrapalhar. A entrada do Gu, que é meu parceiro há muitos anos, foi fundamental para eu me sentir seguro”, diz.
Segundo o produtor Paulo Schmidt, da Academia de Filmes, o projeto orçado em R$ 7 milhões esbarrou em algumas dificuldades, como a liberação de financiamento por questões de mercado. Outro entrave foi a resistência de algumas marcas em aceitarem patrocinar o longa. “Algumas faziam associação da banda com drogas, o próprio nome do grupo é uma irreverência, uma provocação. Mas o filme não tem esse viés da apologia ou de defender a causa. É uma contradição, já que o próprio Marcelo é chamado para fazer publicidade, inclusive de cerveja”, afirma ele, que aposta num potencial de 2 milhões de espectadores.
Nesse meio tempo, Johnny dirigiu outro filme e algumas séries, o roteiro passou por algumas reescrituras e a produção ficou mais enxuta. Além disso, o elenco precisou ser substituído por questões de agenda – há cerca de um ano, com a retomada da produção, Renato foi convidado pelo diretor e Ícaro, pinçado em testes.
“Renato estava superfocado em fazer, ensaiou as músicas do Planet Hemp por conta dele. O Skunk era uma incógnita para a gente. O Fabrício Boliveira a gente perdeu para outro longa, e o Ícaro caiu como uma luva. Ele já tinha muitas características do personagem, não só físicas, mas de astral, de humor. Aquelas coisas de males que vêm para o bem. Filme precisa dessas sortes”, diz Gustavo, acrescentando que D2 acompanhou todo o processo de perto, em leituras, gravações, ensaios com os protagonistas e também na trilha sonora.
Fã-clube ou figurantes?
Antes de entrar em cena, Renato Góes se concentra, muda a postura e ensaia letra e gestos até o grito de “ação”. Entre os muitos takes que a sequência do show exige, é nítida a diferença quando ele precisa cantar (em playback) para uma plateia de verdade, formada de figurantes escolhidos entre o fã-clube da banda.
“É natural essa mudança, você sente a resposta do público. É igual ao teatro. Ensaio é uma coisa, no dia da estreia é uma magia. Tudo que a gente achava que não ia dar certo de repente dá. Foi mais ou menos assim. Quando a gente vê o público ajudando, cantando e pulando, a gente se empolga e vai junto”, afirma o ator.
Embalado por muita fumaça, o clima do show se completa com moshs de fãs, que dividem também um cigarro e umas cervejas com os ídolos da ficção. Empolgadíssimos, os figurantes levam bronca da produção, no entanto, quando deixam à mostra um celular – um pecado para uma produção que retrata o início dos anos 90.
Por: UOL