Além das mostras “O Fabuloso Universo de Tomo Koizumi” (Japão), “Modelar no tempo: Iberê e a moda” e “O Gesto Crispado”, de Arnaldo de Melo (São Paulo), a reabertura marca a primeira individual de Eduardo Haesbaert (Porto Alegre) na instituição, com uma homenagem ao seu melhor amigo, Gelson Radaelli
Após dois meses, a Fundação Iberê reabre suas portas no dia 1º de maio (sábado) com três grandes exposições: “O Fabuloso Universo de Tomo Koizumi”; “Um rio que passa”, de Eduardo Haesbaert; e “O Gesto Crispado”, do paulistano Arnaldo de Melo. Em diálogo com mostra do estilista japonês, será apresentado, pela primeira vez, o “passeio” de Iberê Camargo pela moda.
“Modelar no tempo: Iberê e a moda” traz, como pesquisa em andamento, oito estudos de figurinos, em guache, para o balé As Icamiabas (1959), outros seis estudos para a série Manequins e reproduções de fotos, jornais e editoriais de moda para revistas. A exposição é complementada por um conjunto de vestido e bolero com a primeira estampa assinada por Iberê, em 1963, para a empresa francesa de fibras sintéticas Rhodia, e que pertenceu a Maria Coussirat Camargo, esposa do artista.
Já a primeira individual de Eduardo Haesbaert na Fundação presta uma homenagem ao amigo-irmão do artista, Gelson Radaelli, falecido em novembro do ano passado. Foi Radaelli quem apresentou Haesbaert a Iberê Camargo, que precisava de um impressor, e de quem foi assistente entre 1990 e 1994.
Em cumprimento às medidas sanitárias, as visitas ocorrerão de sexta a domingo, das 14h às 18h, com agendamento prévio pelo Sympla. Será permitida a entrada de, no máximo, seis pessoas por grupo.
“O Fabuloso Universo de Tomo Koizumi”
Artista: Tomo Koizumi
Quarto andar da Fundação Iberê
Visitação: até 4 de julho
A mostra, concebida pela Japan House São Paulo, propõe uma perspectiva da moda contemporânea sob o olhar de um artista que foge das tendências tradicionais e ousa com suas peças marcantes. Serão apresentadas treze surpreendentes criações do jovem estilista Tomo Koizumi, revelação na semana de moda de Nova Iorque de 2019 e que vem conquistando respeito e admiração no mundo fashion. O designer se destaca por criações famosas pelo encantamento, em produções únicas feitas com 50m a 200m de organza japonesa cada uma, de cores e volumes extravagantes, que representam o seu universo recheado de referências nas artes tradicionais e na cultura pop japonesa.
Nascido na província de Chiba, o designer de vestidos de 32 anos foi descoberto pelo dono de uma loja de varejo que ficou encantado pelas roupas produzidas por ele, ainda quando era estudante universitário. Fundou a sua marca “Tomo Koizumi” e, antes de sua ascensão ao mundo da alta costura internacional, trabalhou como figurinista para diversos designers japoneses.
Em 2016, teve uma de suas peças usada por Lady Gaga durante uma visita ao Japão. No final de 2018, a carreira de Koizumi decolou quando seu perfil no Instagram (@tomokoizumi) foi descoberto por Katie Grand (na época, editora-chefe da revista inglesa LOVE), que ficou fascinada por seu trabalho, orquestrando um desfile na semana de moda de Nova Iorque (2019) com apoio de Marc Jacobs e de um grande time de peso. Tomo Koizumi levou à passarela seus vestidos volumosos e coloridos, surpreendendo o público e tornando-se destaque nos principais veículos de imprensa e nas redes sociais de todo o mundo.
A exposição individual revela a essência do olhar de Tomo, por meio de dez peças icônicas das coleções de 2019 e 2020 do estilista. Para a mostra no Brasil, foram criadas também três peças exclusivas, mesclando referências do nosso Carnaval e dos quimonos tradicionais japoneses. Além disso, a exposição conta com um vídeo do último desfile de Tomo, realizado na Tokyo Fashion Week, permitindo ao visitante vislumbrar a força e a dramaticidade que é vestir uma peça do estilista. Por fim, recortes íntimos da sua carreira e processo criativo estão presentes no espaço expositivo em um mural, que contém desde imagens de referência que serviram de inspiração para as suas coleções, até fotos pessoais feitas pelo artista nos últimos anos. “Tomo Koizumi é extravagante, surpreendente, criativo, vibrante. Suas peças são o perfeito encontro da intimidade do trabalho manual ao glamour, sofisticação e teatralidade. Para criar peças de grande impacto, bebe e mescla fontes tradicionais e populares do Japão como os mangás, robôs e o estilo Lolita”, comenta Natasha Barzaghi Geenen, Diretora Cultural da Japan House São Paulo e curadora da mostra, que conta com projeto expográfico do escritório Metro Arquitetos.
Para o diretor-superintendente da Fundação, Emilio Kalil, a mostra marcará o início do processo de criação do Departamento de Moda, Design e Arquitetura, três novos pilares que sustentam a instituição. “A Fundação Iberê tem a arquitetura de Álvaro Siza, premiada com o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2002; os móveis projetados pelo arquiteto em madeira e utilizados pela equipe e público da instituição, além das estampas e vestidos assinados por Iberê Camargo, nos anos 1960. A exposição de Tomo é a chave para darmos visibilidade a esta riqueza material e ao novo departamento”, destaca Kalil.
“Modelar no tempo: Iberê e a moda”
Artista: Iberê Camargo
Átrio da Fundação Iberê
Visitação: até 4 de julho
Em diálogo com a exposição de vestidos do estilista japonês Tomo Koizumi, pela primeira vez, a Fundação Iberê revela o “passeio” de Iberê Camargo pelo cenário da moda através de obras e documentos do acervo da instituição.
“Modelar no tempo: Iberê e a moda” apresenta, como uma pesquisa em andamento, oito estudos de figurinos, em guache, para o balé As Icamiabas (1959), outros seis estudos para a série Manequins e reproduções de fotos, jornais e editoriais de moda para revistas. A mostra é complementada por um conjunto de vestido e bolero com a primeira estampa assinada por Iberê, em 1963, para a empresa francesa de fibras sintéticas Rhodia, e que pertenceu a Maria Coussirat Camargo, esposa do artista.
No final dos anos 1950, quando a moda ainda engatinhava no Brasil, a Rhodia desembarcou no país tropical em que reinava o algodão e foi cirúrgica para se tornar conhecida: contratou o visionário publicitário italiano radicado em São Paulo, Lívio Rangan (1933-1984), para comandar o marketing da empresa. Foi então que ele convidou artistas plásticos para desenhar estampas a cada coleção, entre eles: Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Nelson Leirner, Manabu Mabe, Alfredo Volpi e Willys de Castro.
A escolha dos artistas por Rangan revelava o interesse em dialogar com a arte contemporânea do momento e refletia as principais tendências da arte e da moda. As coleções eram apresentadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil (FENIT), em desfiles-show que tinham uma extraordinária força midiática, graças também à participação de artistas consagrados e de músicos brasileiros, importantes alavancas na cadeia da moda nacional.
A parceria entre Lívio Rangan e artistas plásticos durou aproximadamente sete anos, entre 1960 e 1967. Ele levou aos palcos da FENIT, às passarelas de todo o Brasil, a outros países e às páginas de diversas revistas nacionais, obras de artistas das mais diversas linhagens de trabalho. De lá para cá, muitos vestidos se perderam, entre eles os assinados por Iberê e Ohtake. Setenta e nove modelos com estampas de 28 artistas foram doados ao Museu de Arte de São Paulo (MASP).
“O Gesto Crispado”
Artista: Arnaldo de Melo
Terceiro andar da Fundação Iberê
Visitação: até 25 de julho
Um artista com a alma inquieta, crispada e ruidosa. Três virtudes do paulistano Arnaldo de Melo que extravasam em seu ateliê localizado no distrito da Sé. As obras expostas são como um presente para o público. Apesar de ter uma trajetória precoce, com a participação em exposições desde 1979, no Brasil e na Alemanha, foi em 1990 que realizou sua primeira individual, na então recém-inaugurada Galerie Roepke, em Berlim.
Agora, pela primeira vez na Fundação Iberê, Arnaldo apresenta vinte e seis pinturas de grandes dimensões, a maioria realizada em 2019, e outras tão expressivas produzidas nos anos 1980, quando viveu em Nova York e em Berlim. “O Gesto Crispado” foi minuciosamente pensado para acompanhar os ambientes projetados pelo arquiteto português Álvaro Siza, de forma a usufruir de suas perspectivas abertas, voltadas ao vão livre interno e aos visitantes que chegam ao terceiro piso através das rampas.
“Um rio que passa”
Artista: Eduardo Haesbaert
Segundo andar da Fundação Iberê
Visitação: até 25 de julho
“Todo artista deveria ser como um rio com suas águas que se renovam sempre”. Esta é uma das frases de Iberê Camargo que mais marcou a trajetória de Eduardo Haesbaert ao lado do artista e que inspirou a produção para a sua primeira exposição individual na Fundação Iberê.
“Um rio que passa” apresenta trinta e seis trabalhos inéditos, entre desenhos, pinturas e monotipias na maior parte em grande formato, um deles de 157 x 500 cm. Todos foram executados a partir do convite do diretor-superintendente Emilio Kalil, em dezembro do ano passado. “Eduardo Haesbaert e a Fundação Iberê são como personagens indissociáveis. O nosso patrono (Iberê Camargo) sempre contou com Eduardo, fazendo dele um assistente/confidente. E, por sua vez, como um guardião desses tempos vividos ao lado do mestre, foi desenvolvendo nele mesmo um artista de talento incomum, entregue, em tempo integral, ao seu mundo criativo”, destaca Kalil.
Haesbaert viveu quatro meses intensos no ateliê que tem em casa, produzindo, em média, uma obra por semana. Uma imersão para dar vazão ao sentimento e transformar os tempos de incertezas em arte. Para ele, “o tema tem a ver com o momento que estamos vivendo e, também, com o desabamento de estruturas antes consideradas sólidas e seus consequentes desajustes humanitários e ambientais. No conjunto de obras realizadas para esta exposição expresso meu pensamento sobre a tensão e a suspensão do tempo, paisagens urbanas em ruínas. Projeto imagens de uma Babel que explodiu, de um plano piloto em desconstrução, de uma torrente de água que inunda o cenário ausente de presença humana e de um trampolim à espera do salto e do mergulho de quem as contempla”.
“Um rio que passa” não deixa de ser um desdobramento de suas exposições: “Negro de Fumo” (2015), “Desumano” (2017) e “Torrente” (2019), realizadas na Galeria Bolsa de Arte – em Porto Alegre e em São Paulo.
Para a exposição “Torrente”, Paulo Pasta escreve: “Nessa escuridão, que quase nos cega, vislumbramos aspectos de coisas, mas que não chegam a formar ou nos dar a notícia de sua totalidade. Não sei se estas feições são reveladas pela luz ou pela escuridão. Quanto mais eu olho para os trabalhos do Eduardo, mais fico convencido de que o negrume também desvela”.
Nuno Ramos, em texto sobre as obras da exposição “Negro de Fumo”, destaca: “‘Diz a verdade quem diz sombra’”. Este verso do poeta romeno-alemão Paul Celan parece descrever perfeitamente o horizonte de trabalho de Eduardo Haesbaert. Feita de carvão, tinta a óleo, de pigmento, à maneira negra numa gravura ou naquela meia luz casual, é sempre a sombra, como uma matéria semis-sólida esparramando-se por tudo, que protagoniza sua obra. Parece estar tanto nas coisas como no intervalo entre elas, fazendo com que troquem de lugar para revelar uma origem (e uma espessura) comum”.
Paulo Pasta e Nuno Ramos participaram em 2005 e 2014, respectivamente, do projeto “Artista Convidado” do Ateliê de Gravura, coordenado por Haesbaert, onde criaram gravuras exclusivas na prensa que pertenceu a Iberê Camargo. Da soma de práticas e experiências, a Fundação Iberê compôs, ao longo dos anos, uma significativa coleção de gravuras assinadas por mais de cem artistas contemporâneos do Brasil e do exterior.
“Homenagem a Gelson Radaelli, por Eduardo Haesbaert”
Átrio da Fundação Iberê
Visitação: até 25 de julho
“Homem cheio de vida, pintor inquieto. Grande artista. Vai ser muito difícil sem a presença dele. Fica um vazio.” Ainda é difícil para Eduardo Haesbaert compreender a partida precoce do amigo Gelson Radaelli, na madrugada do dia 28 de novembro do ano passado. O telefonema da esposa do artista, Rogéria, tirou seu chão. Foram mais de 30 anos de convívio.
A amizade dos dois começou no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, em 1986. Haesbaert fazia gravura em metal, e Radaelli sempre passava por lá para distribuir o jornal que editava na época, o Pra Ver. Poucos anos depois, dividiram o mesmo ateliê, o porão de uma casa na Rua Garibaldi. Juntos, participaram de diversas exposições coletivas, em especial com o grupo que formaram com Fabio Zimbres, A Casa do Desenho.
Foi Radaelli quem apresentou Haesbaert a Iberê Camargo que precisava de um impressor, em 1990. Desde então, trabalhou como assistente e impressor de Iberê até a morte do artista, em 1994. “Devo muito ao Gelson, era um cara generoso. Ele já era amigo de Iberê, conheceram-se também na época do Pra Ver”, recorda Eduardo Haesbaert.
Gelson Radaelli era, na verdade, um grande admirador do trabalho de Iberê. Foi influenciado pelo pai, Seu Zeno, um apaixonado por arte, que ele mergulhou nesse universo. O primeiro trabalho foi criar um catálogo pessoal de Iberê, como relembra em texto escrito para o catálogo da mostra “Iberê Camargo: Visões da Redenção”, em 2019.
“Ainda pré-adolescente, eu já tinha fascínio pelo trabalho do Iberê; morava em uma cidade minúscula, sem livraria, sem biblioteca nem banca de revistas. Meu pai, um apaixonado pela natureza e por arte, trazia da cidade maior publicações que falavam de pintores. Lembro-me bem da coleção Gênios da Pintura, com mais de vinte pequenos livros com capa dura, que reproduziam estampas dos principais quadros de cada artista consagrado, com fama mundial. Inconformado, eu garimpava fotos e matérias em revistas – Manchete e, quem sabe, na Revista do Globo ou na Cruzeiro!? – e em alguns fascículos e catálogos que chegavam às mãos. Recortando e colando, criei o exemplar do Iberê Camargo nessa coleção que eu tanto apreciava. Minha quase veneração por esse artista se manteve após adulto e uma admiração única persiste até hoje. Na metade da década de 1980, tive a sorte e o privilégio de conhecer o pintor entorpecido pela série exuberante com figuras humanas, carga matérica, infindáveis veladuras e pinceladas cheias de fúria. Não podia tê-lo encontrado em momento mais admirável. Eu permanecia imóvel no canto do ateliê, completo silêncio, invisível, assistindo o espetáculo de entrega e criação incomum, talvez única. (…) Acompanhei inúmeras jornadas do artista pela procura dessas imagens que nos ferem com delicadeza, cheias de visualidade e significados. (…) Foi num dia desses, quando o Iberê ainda morava na Rua Lopo Gonçalves, que saímos a pé para mais um percurso no Parque da Redenção. Chegamos na fonte entre árvores, naquele momento riscada pela luz do sol: um cenário de filme. À volta dela, vários mendigos conversavam e lavavam as suas roupas. O artista pareceu iluminado. Apenas com os olhos e a mão em movimento, executou desenhos lindos e fluidos como música. Depois, num gesto de gratidão, pagou os modelos: entregou uma nota de dinheiro a cada um deles e fomos embora. Nesse dia, uma figura me provocou a atenção: o homem flagrado de frente, curvado sobre o espelho d’água da fonte, com o olhar fixo no artista e suas costas acima da própria cabeça, passava uma sensação simultânea de dignidade e de sofrimento, como se estivesse pronto para carregar o peso do mundo. Esse desenho é um dos estopins na minha série de pinturas em preto e branco com figuras curvadas, estreada no desfecho do século passado.”
Desta relação nasceu uma pintura, Gelson Radaelli foi modelo de Iberê por um dia. Sempre prometia voltar para terminar a obra, mas o sucesso do seu restaurante Atelier das Massas, no centro histórico, lhe ocupava todo o tempo. Iberê faleceu e a pintura ficou inacabada, apenas com assinatura atrás, junto ao título: Gelson.
Esta obra integra a pequena mostra que dialoga com a exposição “Um rio que passa”. Complementam “Homenagem a Gelson Radaelli, por Eduardo Haesbaert” três desenhos de Iberê Camargo e outras duas pinturas de Radaelli cedidas pela Galeria Bolsa de Arte.