Alô, POA! Estamos chegando!
A moça, o rapaz maduro calejado pela idade e o menino impetuoso e viril. Gal Costa, Gilberto Gil e Nando Reis são apresentados assim em “Trinca de ases”, música inédita do baiano que batiza o show que o trio estreia em São Paulo (Citibank Hall, 4 e 5 de agosto), Rio (Metropolitan, 11 e 12 do mesmo mês) e a partir de setembro segue para as principais capitais do país. “Três mosqueteiros, três patetas, três poetas da canção”, como descritos em outro verso da canção, juntos para celebrar a história de cada um, como elas se cruzam e o novo que brota do encontro.
A reunião foi realizada pela primeira vez no ano passado, em Brasília, em homenagem ao centenário de Ulysses Guimarães – idealizada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno. Naquela noite de caráter especial, realizada quase sem ensaio, mostrou-se a potência da união: o diálogo dos violões de Gil e Nando, a voz de Gal revendo as canções do amigo baiano e revelando outras cores da estranheza pop do paulistano e sua “música ruiva”, que ela nunca tinha cantado. Agora, esta potência aparece lapidada – e ampliada. Além de estarem os três o tempo inteiro no palco, em todas as formações vocais possíveis (trios, duetos e solos), eles têm o reforço de dois músicos: o baixista pernambucano Magno Brito, integrante da banda Sinara; e o percussionista baiano Kainan do Jêjê, que trabalha com Ivete Sangalo e também com a Sinara. Como os três mosqueteiros eram quatro, a Trinca de Ases tem cinco em sua composição. Ou sete, como multiplica Gil entre a poesia e a graça:
– Seremos três cantores e quatro músicos.
Ou ainda mais, pelo que se viu no primeiro encontro. Gal soa ora clássica (em “Esotérico”, na primeira vez em que a apresenta em dueto com Gil), ora nova (em “Segundo sol”), ora ambas (em “Dois rios”, parceria de Nando e Samuel Rosa que o próprio compositor nunca tinha tocado ao vivo até ali). E não só dois, mais muitos violões, híbridos, surgem quando os instrumentos de Gil e Nando se cruzam, em canções como “Por onde andei” e “A novidade” – numa relação de fascínio mútuo:
– Fico muito encantado com o violão rock-folk de Nando, ao mesmo tempo aquilo tudo adaptado às suas canções tão brasileiras – define Gil, que no show de Brasília chegou a dizer que gostaria de tocar como Nando, que na mesma hora respondeu: “Quer trocar?”
Agora, o paulistano reafirma sua devoção:
– Lembro quando “Expresso 2222” chegou lá em casa, o impacto que causou. E como aquilo, quando eu comecei a tocar, já estava em mim.
Gal também ocupa um lugar nobre na árvore genealógica musical de Nando:
– Depois de minha mãe, a voz que mais traçou os contornos de minha música foi a de Gal – diz o compositor, que prepara duas inéditas para o show, uma delas em homenagem à cantora.
Gal reconhece a descendência (“Nando é nosso filho”, brinca). Com Gil, o “pai”, ela tem uma longa lista de parcerias: o show “Nós, por exemplo” (1964); o álbum-manifesto “Tropicália ou Panis et circensis” (1968); a turnê dos Doces Bárbaros (1976); o show em Londres (gravado em 1971, mas lançado em disco só em 2014). Nando é o “menino impetuoso”, o elemento novo na equação que chega como catalisador, gatilho de outros caminhos – num espetáculo com direção musical do trio e assessoria artística de Marcus Preto, que dirigiu Gal em “Estratosférica”.
– Tenho uma longa relação com Gil, mas quando Nando entra isso já vira outra coisa. Vou cantar coisas de Gil que nunca gravei – anuncia a cantora, referindo-se a um roteiro que vem cheio de surpresas. – Eu e Gil temos essa coisa de nos lançarmos nos abismos musicais. O arrojo é algo nosso.
O arrojo de três mosqueteiros, a leveza de três patetas, a grandeza de três poetas – Trinca de Ases, enfim, lançada à mesa.
Leonardo Lichote (Maio de 2017)