De todas as palavras utilizadas para descrever o incêndio na segunda-feira no Museu da Língua Portuguesa, certamente a que mais será repetida a partir de agora é “reconstrução”. Como a maioria de suas exposições era montada a partir de arquivos digitais, o espaço não tinha um acervo de obras físicas. As mostras permanentes do museu eram abastecidas por sistemas virtuais, que possuem cópias de segurança e podem ser refeitas. Contudo, a estrutura do prédio e os equipamentos de projeção audiovisual foram atingidos pelo fogo, que deixou um brigadista morto e destruiu praticamente todo o prédio.
Segundo os organizadores, ainda é cedo para calcular o prejuízo monetário de ontem. Na época de sua inauguração, em março de 2006, porém, o orçamento do projeto foi de R$ 37 milhões. Eram 3 mil metros de cabos de vídeo, 4,5 mil de cabos de áudio e 1,1 mil de fibra ótica.
— Estamos todos em estado de choque. Foi uma tragédia, ocorrida num prédio que há dez anos funciona bem e com segurança. Agora, temos que fazer uma corrente para reerguer o projeto — diz Hugo Barreto, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, instituição responsável pela concepção do Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz.
Duas exposições temporárias estavam montadas no Museu da Língua Portuguesa até segunda-feira: “O Tempo e Eu e Vc”, em homenagem a Luís Câmara Cascudo; e “Esta Sala é uma Piada”, uma seleção de 100 charges, caricaturas e quadrinhos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
A primeira ficaria em cartaz até 14 de fevereiro, e a segunda até o dia 28 do mesmo mês. Em ambos os casos, as montagens das mostras foram feitas com material cenográfico, reproduções e arquivos digitais. Os originais, portanto, não estavam no espaço e não foram danificados pelo fogo.
— É lamentável isso ter acontecido. Ao menos, o Museu da Língua tem um padrão de não guardar acervo. O que deve se perder são os equipamentos, que têm um custo alto, mas podem ser substituídos — afirma o cartunista Eduardo Grosso, funcionário da Secretaria Municipal da Ação Cultural de Piracicaba que participa da comissão organizadora do Salão de Humor.
A socióloga e cineasta Isa Grinspum Ferraz faz eco na necessidade de se reerguer o espaço. Ela participou da concepção do Museu da Língua Portuguesa em 2006, como curadora de conteúdo e roteiros.
— Não sei o estado do prédio agora, mas defendo que o museu seja refeito. Ele é uma revolução, não apenas do ponto de vista da forma, mas também da escolha do que se expor. Foi uma maneira nova de se tratar a língua portuguesa. E tanto a população de São Paulo quanto os turistas entenderam e abraçaram completamente o projeto — diz Isa.
DINHEIRO E DISPOSIÇÃO
Na elaboração do projeto do Museu da Língua Portuguesa esteve o antropólogo baiano Antonio Risério, na época assessor especial do Ministério da Cultura de Gilberto Gil. Ele lembra que a ideia original surgiu anos antes, como um museu para Porto Seguro.
— Seria um espaço para comemorar os 500 anos do Brasil, a ser inaugurado em 2000. Mas não foi adiante — lembra Risério. — Então, depois, quando recuperaram a Estação da Luz, propusemos o velho projeto de Porto Seguro.
Agora, o antropólogo também insiste na necessidade de focar esforços na recuperação do prédio. Mas, para Risério, a maior dificuldade será reunir o mesmo grupo que levou o projeto adiante há quase uma década.
— Muitos nem estão mais nesse planeta — diz. — O Museu da Língua Portuguesa estabeleceu um novo patamar de museu internacionalmente. Mudou completamente a noção do que é um museu. Ele pode ser reerguido, mas para isso são necessários dinheiro e disposição. O problema é, nesses tempos atuais, conseguir juntar as duas coisas.
Por: OGlobo